A eterna cultura dos trotes violentos

Sabine Righetti

Cresci ouvindo que os trotes eram rituais de passagem do ensino médio para o universitário. Uma coisa “normal”, amplamente aceita e vista como uma etapa de socialização no ensino superior. É assim e pronto.

Como eu sempre quis fazer universidade, eu tinha medo dos trotes desde a infância.

O ano em que entrei na universidade, 1999, foi marcado por um  trote violento que terminou em uma tragédia.

Foi naquele ano que o jovem Edison Tsung Chih Hsueh, calouro de medicina da USP, morreu afogado na piscina da atlética.

Ele havia ingerido álcool forçado pelos “colegas” veteranos.

A tragédia fez com que os anos seguintes tivessem trotes mais leves.

Alguns cursos, especialmente de humanas, passaram a fazer o “trote solidário”, em que o calouro era convidado a fazer um trabalho social. Não havia tintas, cabelo raspado e nem humilhação pública.

Isso é comum em países como os Estados Unidos.

Lá, os calouros costumam ser recebidos por veteranos-tutores, que se ocupavam de orientá-los sobre moradia, alimentação, lugares para estudar e, claro, festas.

VAI E VOLTA

Por aqui, a onda dos trotes violentos vai e volta.

Em 2012, meu colga Marcelo Soares mapeou os trotes que chamou de “imbecis”.

Neste ano, voltou com força e trouxe relatos de calouros amarrados a postes, por exemplo.

Sigo sem entender.

Por que exatamente ainda fazemos trote? E por que aceitamos essa cultura de humilhação pública e de bullying coletivo?
   
Proponho uma campanha contra os trotes violentos do ponto de vista individual (do aluno) e institucional (das universidades).
 
Vamos nessa?

 

Comentários

  1. o que se vê claramente são atos criminosos que deveriam ser tratados como tal. Trote é apenas o nome usado para disfarçar as ações criminosas e parece que tem dado certo para os autores.

  2. O Brasil é um povo ainda em formação, há muito gargalos mal resolvidos dentro de nós e eles estão aí pelo ar. Vez ou outra se solidificam com mais ou menos intensidade. São coisa que estão vagando aí desde a época do império.

    A questão não é o trote, mas o que está por trás dele. Há muitas coisas “mal resolvidas” no inconsciente coletivo que dá para mencionar, mas nesse caso, uma delas, IMHO, é a baixa estima.

    Ou seja, o nego “agride” para se impor porque por si só ele não tem o “respect”, ele não tem a estima. Ele não tem aquela coisa profunda, então ele cultiva uma imagem para se manter com a autoridade.

    Todo mundo faz isso, é a polícia, é o fiscal da receita, o advogado, o juíz, o político, o coronel, o artista da Globo, o professor Doutor com o rei na barriga, o jornalista, o estudante da USP, etc. Se você reparar, a maioria deles, em vários momentos da vida, estão sempre se impondo sobre o outro mediante o seu status. Aquela coisa “sabe com que você está falando?”.

    A maioria usa do seu pseudo poder para se impor. E o ambiente em que vivemos frisa isso o tempo todo: a busca da autoridade perante a força e a imposição.

    Esses caras que dão trote dessa maneira apenas refletem o meio e os valores que estão. E se você reparar, a questão não é conhecimento ou esclarecimento, são valores mesmo. E para mim, o pior deles é a baixa estima que faz com que tenhamos que nos impor perante os outros e as coisas.

    Não adianta, não é o trote em si. Tem que ver o que está atrás – e há muita coisa por trás. E isso não se resolve da noite para o dia, leva tempo.

    O problema é que ninguém hoje tem paciência e não há uma busca para a cura da causa. Todo mundo quer uma solução rápida e isso é o grande erro. Alguém vai chegar aqui e dizer “beleza, e faz o que então, deixa como tá? temos que agir”.

    Valores, sempre valores. Trote violento é apenas a superfície. E é o que fazemos desde que este país foi colonizado: atacar o superficial.

  3. O trote é mais uma aberração que é tratada como tradição. É conseqüência da omissão das Universidades, sempre dispostas a tolerar qualquer barbaridade promovida por seus alunos. Falta mesmo é coragem e vergonha na cara para coibir.

  4. Estudantes que sentam prazer em aplicar “trotes” em calouros, já trazem em sua essência a maldade e sabem muito bem o que determinados trotes podem causar a quem recebe. Não são mais crianças, sabem o que estão fazendo.Que futuros profissionais estaremos formando????

  5. As Universidades deveriam institucionalizar um programa de recepção amigável aos calouros e convidar/incentivar os veteranos a participar dessa recepção. Seria uma concorrência salutar ao “trote”. Este, com tempo, tenderia a desaparecer.

  6. Isso ainda acontece devido a impunidade brasileira. Outro fator é atribuido ao comportamento do indivíduo em grupo: a pessoa não teria coragem de praticar tal ato, mas em grupo … torna-se um monstro! Tudo isso para não ser excluído, ser chamado de covarde e principalmente, para não sofrer as mesmas agressões … preferem “se juntar ao inimigo”.

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