Por falta de educação em ciências, brasileiro dispensa bula e corre riscos

Sabine Righetti

Atire a primeira pedra quem nunca se desfez rapidamente da bula de um novo medicamente antes de armazená-lo.

A prática de ignorar a bula dos remédios é velha conhecida da cultura brasileira. O que especialistas dizem é que o problema está relacionado com a nossa educação.

Como o ensino de ciências no Brasil é muito ruim, classificado no final da lista de países avaliados pelo exame internacional Pisa, ninguém entende as bulas e, por isso, não se interessam por elas.

Quer ver?

Vamos pegar a bula da aspirina, um remédio consumido internacionalmente.

ÁCIDO ACETILSALICÍLICO

Sua bula informa que cada comprimido tem 500 mg de “ácido acetilsalicílico” e que os “componentes inertes” são amido e celulose.

Digo com segurança que a maioria dos brasileiros nunca ouviu as palavras entre aspas, mas consome aspirina (sem ter ideia do que está ingerindo).

O problema é que a bula da aspirina informa também que a sua ingestão aumenta o risco de sangramento. Isso pode ser fatal para pacientes, por exemplo, com dengue reincidente, que costuma causar hemorragias.

A bula da aspirina também alerta que os comprimidos devem ser armazenados “na sua embalagem original, em temperatura ambiente, entre 15 a 30°C” e protegidos da umidade.

Opa! Mas não tem um monte de gente que armazena medicamentos justamente no local mais úmido da casa, ou seja, o banheiro? Pois é. O medicamento pode, por exemplo, perder o efeito.

SEM BULA

Esse problema do descarte das bulas é conhecido pelas indústrias farmacêuticas.

Em visita recente a uma das fábricas da Pfizer no Brasil, que produz medicamentos como o Advil, o coordenador da logística, Reinaldo Oliveira, contou que a maioria dos medicamentos que retorna à fábrica por “problemas” chega sem bula.

“Sabemos que a bula é a primeira coisa que o usuário joga fora ao abrir o remédio”, diz Oliveira.

A taxa de retorno à fábrica de medicamentos Pfizer é de 0,2%. Podem voltar à fábrica comprimidos que, por exemplo, mudaram de cor ou de consistência –o que pode acontecer quando se armazena um medicamento como a aspirina no banheiro.

A pergunta que fica é: o que fazer para que as pessoas leiam mais as bulas e corram menos riscos?

INTERESSE 

Bom, as pessoas precisam se interessar pelas bulas. E sabe-se que o interesse pela ciência e a educação científica caminham juntos.

Em um trabalho publicado em 2010 por um grupo de pesquisa do qual faço parte na Unicamp, vimos que a leitura de bulas de remédios e de rótulos de alimentos aumenta quando o interesse declarado pela ciência é maior.

A pesquisa foi feita no estado de São Paulo para uma publicação da Fapesp com base em um questionário (veja aqui os resultados da pesquisa).

Vejam que bacana: 69,3% dos que declaram que se interessam muito por ciência também informaram que leem bulas de medicamentos. A rotina de ler bulas cai conforme o interesse por ciência diminui.

E, adivinhem: “Daqueles que frequentaram ou frequentam ensino superior e ou outros níveis superior de ensino, 71,7% declaram que leem bulas de remédios.”

A relação entre escolaridade, interesse por ciência e leitura de bulas de remédios, evidenciada nesta pesquisa, mostra o quanto educação e saúde caminham juntos.

Uma sociedade com melhores níveis de educação está mais preparada para entender e lidar com sua própria saúde.

 

Comentários

  1. Antigamente eu achava que precisávamos diminuir a carga horária de disciplinas como Sustentabilidade, por exemplo, em benefício do aumento da carga horária de Matemática e Português.

    Hoje em dia, depois de mais de 15 anos dando aulas particulares de Matemática, eu cheguei à conclusão de que precisaríamos dedicar exclusivamente ao Português os primeiros 5 anos da Educação Fundamental.

    Os alunos estão numa situação dificílima, em que até conseguem entender a Matemática, mas não conseguem interpretar o enunciado de um problema sobre Álgegra ou Geometria – e esse problema se estende aos cursos superiores, em que essa mesma dificuldade interpretativa é onipresente.

    Então, Sabine, eu acho que essa situação que você problematizou de fato existe, é real, é importante, mas há uma outra, muito pior, que é o ensino da Língua Portuguesa.

    Ali está a raiz de todo o nosso mal, de toda a nossa fraqueza.

    1. Andre FG, concordo totalmente com você! Com a gritante piora do nível educacional nas últimas décadas, estamos formando incontáveis legiões de pseu analfabetos ou analfabetos funcionais. Deve haver, urgentemente, um redirecionamento nas diretrizes educacionais em nosso país, começando por priorizar o ensino da nossa língua.

  2. Simples: por que não dispensar os termos científicos? Basta trocar o que o termo científico quer dizer em uma linguagem popular.

    1. Sim. Vamos simplificar ao máximo. E de uma país de anafalbetos funcionais, vamos a um país de leitores de internet. Superficiais, reativos e seguidores de moda.

    2. A legislação sanitária preconiza, através da RDC 47/09, a disponibilidade de bulas direcionadas para pacientes com linguagem acessível e para profissionais de saúde com linguagem técnica…

  3. No final do ano 2000, minha mãe precisou passar por uma consulta clinica de emergência. Quando falei pra médica que havia suspendido o medicamento por que na bula estava contra indicado o uso por pacientes portadores de hipertenção, a mesma me disse que a bula foi feita para médicos e não pacientes. A educação poderia estender se para os consultórios para orientação de que primeiro indica a medicação, o médico.

    1. Farmacêutico não lê bula, médico muito menos. Atualmente há muito médico que não sabe interpretar texto, não se informa e sequer escuta o paciente. É mais fácil receitar o medicamento que o propagandista deixou de amostra, ou o que o senso comum orienta. Sendo assim, dizer que bula é feita para médicos é uma piada. Tenho alergia a várias substâncias e toda vez que vou a um hospital descrevo os nomes e as reações, e acabo saindo de lá com receita de um medicamento que, logo depois, descubro que não posso tomar.

  4. Não creio que seja uma questão por interesse pela ciência. Acho que a questão do “conseguir ler um texto” é fundamental, e daí porque pessoas de maior instrução lêem mais as bulas. Por outro lado, sejamos sinceros: as bulas de medicamentos (ao menos aqui no Brasil) misturam muito o que é informação científica, direcionada ao médico, do que é informação ao paciente. Informações importantes veem misturadas e costumam ser assustadoras. Conheço gente que deixou de tomar um remédio por ter ficado aterrorizado com o que leu na bula. Pergunte a qualquer pediatra quantas vezes já não atendeu pais desesperados porque leu na bula que… Acho que deixar a parte que interessa ao paciente bem separada, com destaque, logo no início e com linguagem BEM simples, para o cidadão que não é da área médica, é o primeiro passo para que se aumente a atenção às mesmas. Infelizmente, hoje em dia, parece que as pessoas não conseguem entender o sentido de uma manchete, imagine de uma bula de remédios!

  5. Já ouvi de um médico o mesmo comentário que o alex anselmo mencionou:”bula é para médicos, não para pacientes”.

    1. Eu também já ouvi esse comentário Krika. Mas então por que o laboratório põe a bula nos medicamentos se não é para os pacientes?

  6. Apenas fazer constatações de uma realidade construída ao longo de mais de 500 anos, parece contribuir pouco para provocar alguma mudanças nessa realidade. A autora poderia levantar questões e buscar respostas para problemas como: Que fatores contribuem mais para que os brasileiros aumentem o interesse pela ciência? Que fatores contribuem mais para melhorar o ensino de ciências no Brasil? Que fatores contribuem mais para melhorar a educação no Brasil e tornar a cultura dos brasileiros mais “científica”?

  7. Dê uma lida na primeira frase direito e procure o erro…realmente nosso problema de educação está cada dia mais feio.

      1. “Atire a primeira pedra quem nunca se desfez rapidamente da bula de um novo
        (((((medicamente ))))antes de armazená-lo.”

        Está muito difícil mesmo….

  8. Os professores brasileiros (sem exceção) agem como se estivessem SEGREDANDO ao aluno uma solução sobre o tema da matéria escolar, isso se repete mais ainda dentro das faculdades. A desculpa quase sempre é a de que o professor estaria forçando o aluno descubrir por si tais soluções. Os enunciados nos livros didáticos e nas questões de exames são verdadeiros emaranhados com redação MEDIOCRE para insidiosamente CONFUNDIR o aluno, assim perdendo o valor de avaliação. O tema ensinado jamais é finalizado, sempre ficando os capítulos restantes para os alunos, se interessados, procurarem estudá-los sem orientação pedagogica. Isso acontece em colégios particulares, imaginem nos públicos.

  9. Não é só bula, não, é tudo!
    A educação do povo brasileiro vem caindo verticalmente, em todas as classes sociais e em todos os níveis de escolaridade.
    Lamentavelmente estamos caminhando para a anarquia total!

  10. Sabine, acho que é pior. O brasileiro médio não consegue ler e entender nenhum texto que tenha mais que 5 linhas e que tenha mais de 3 palavras que ele não conheça.

  11. Eu leio a bula de meus remédios. Um dos meus médicos disse que não há necessidade de ler a bula senão acaba não tomando o remédio, pelo susto. Se não é para ler a bula, como justificar a existência da bula? Temos que ler a bula sim, assim como rótulos dos alimentos que consumimos.

  12. Que tal melhorar a elaboração dos textos das bulas? Tem bulas que são tão mal escritas que em vez de ajudar confundem o paciente; muitas vezes faltam objetividade, clareza, precisão, das instruções/orientações.

    1. Rosana, esse é um bom ponto para reclamação. Talvez se mais pessoas se interessassem pelas bulas, e não as entendessem, haveria uma movimentação nesse sentido.

  13. Eu costumava ler as bulas, mas hoje em dia não consigo mais, pois as letras são muito miudas. Como a maioria dos meus remédios são de uso contínuo, no início do tratamento eu consegui ler, mas se compro algum medicamento preciso pedir para alguém ler a bula.

  14. Recentemente levei ao Procon/Justiça um conhecido e poderoso laboratório multinacional. Reclamei por que o “Modo de Usar” de seu produto não era claro o bastante quanto à dosagem a ser usada. Não deram bola para o Procon nem para a Justiça brasileira. E o juiz ainda deu ganho de causa ao poderoso laboratório. Às vezes suspeito que há um conchavo entre o judiciário brasileiro e as grandes corporações multinacionais… Multinacionais sediadas ao norte do globo terrestre são arrogantes. Dispensam o maior desprezo por nós, consumidores sul americanos…

  15. O assunto “Bulas” lembra “Modo de Usar”que lembra “Instruções de Montagem”…Recentemente comprei um equipamento cuja “Instrução de Montagem”, em determinado momento, dizia assim:”…preCione o parafuso enquanto…” A palavra pressione, até onde eu sei, escreve-se com 2 esses…O Português dos brasileiros está cada vez pior e a sra. Rousseff ainda tem a pretensão de se reeleger…Estamos mal…

    1. Sergio, muito bem lembrado. O interesse pela leitura de bulas e de rótulos de medicamentos pode estar junto com a leitura de manual de instruções. abs, Sabine

  16. não ´so as bulas mas os médicos tem obrigação de orientar os pacientes. Os farmacuticos itos costumam fazer isto quando você compra um remédio. O descaso não é do paciente mas do atendimento médico, tanto particular como no SUS A senhora está fazendo o velho jogo: a culpa é sempre da vítima.

  17. O problema resume-se em:

    1. De fato o brasileiro, de um modo geral, é profundamente ignorante e alienado, em especial quanto a conteúdos elementares de ciências e de português. Assim, não consegue entender o que lê, sendo essa uma das razões porque somos o povo que menos lê na América do Sul (perdemos feio para Paraguai, Bolívia, Equador, etc. Vergonhoso!).

    2. Para piorar a situação, a maioria das bulas (embora alguns medicamentos já tenham resolvido isso) é escrita em linguagem técnica incompreensível aos leigos.

    3. Os próprios médicos ignoram as bulas, o que é uma irresponsabilidade, pondo em risco a vida de seus pacientes. E quando um paciente mais esclarecido lê a bula e questiona o médico, este responde dizendo que “paciente não é para ler bula” e que “se alguém for se importar com o que diz a bula, ninguém toma remédio nenhum”. Essa postura é um desserviço. E é curioso que o médico desconsidere o fato de que, se o próprio fabricante avisa que o medicamento oferece riscos à saúde, então esse risco TEM QUE SER levado em conta.

    Enfim, estamos entregues às moscas, nesse país de péssima educação… Cada um que tem o mínimo de senso crítico deveria, então, tornar-se parte da solução e tentar influenciar ao máximo, e positivamente, pessoas comuns e médicos, para que se tornem mais conscientes e façam diferença.

  18. Não há interesse por ler absolutamente nada que é importante ou necessário. Estamos sendo conduzidos/manipulados para a mediocridade. Nosso sistema educacional é politicamente correto, porém ineficiente. Exige-se pouco, não há demarcação clara do papel de cada ator: aluno, professor, família e gestores. Acrescente a isso a ideia de que tudo deve ser simplificado e tornar-se engraçada e divertido(sic).

  19. Acredito que as bulas são para proteger as empresas de qualquer processo. Se alguém ler o que uma bula diz, além de não entender por não ser da área, não terá coragem de tomar assustado com os possíveis efeitos que a substância poderar fazer no seu organismo. Absolutamente não se trata de falta de educação.

    1. Ciomara, bom comentário. Mas em países desenvolvidos, com bom nível de educação científica, as pessoas têm condições de ler as bulas dos medicamentos para, inclusive, discutir com os médicos sobre o remédio que será tomado. Isso é impensável no Brasil –e inclusive causaria estranhamento aos médicos.

  20. Olá SABINE !
    Há alguns anos as embalagens dos medicamentos mantinham as informações básicas para o usuário. Como os laboratórios priorizaram os propagandistas e médicos mudaram para bulas técnicas e de aplicações.O Consumidor não lê manuais de eletrodomésticos, logo, não lerá bulas de medicamentos. Tudo é feito para atender seus interesses. O Consumidor, só paga a conta e dane-se……A filosofia do negócio é que está invertida. Ou não ?

    1. Bom ponto. Mas talvez se as pessoas buscassem ler mais as bulas, e não as entendessem, e reclamassem, essa discussão ficaria mais sólida e haveria uma pressão por mudanças nas bulas, não?

  21. Acho que o objetivo da autora do blog foi de “parecer inteligente” por “saber ler bulas” e não outro motivo mais nobre.

    1. Daniel, eu não me classifico entre pessoas que sabem ler bulas. O objetivo do post, que me parece muito claro, é mostrar o perigo de não lê-las.

  22. Sabine,

    O nome aspirina no Brasil é o nome do produto da Bayer contendo ácido acetil salicílico. Aspirin é o nome da substância registrada nos Estado Unidos e na Inglaterra (talvez também em outros países de língua inglesa). O problema da educação em ciências e da comunicação popular em ciências pode ser um pouco mais complicado do que apontar determinados comportamentos.
    Também vale e pena pensar sobre como as pessoas deveriam armazenar os medicamentos em cidades como Manaus ou Macapá.

    1. Sotero, eu sei que aspirina é o nome do remédio da Bayer e que é consumido no mundo inteiro (com outro nome). Também fiquei pensando na questão dos lugares muito quentes, como manaus. A bula recomenda manter em temperatura local, ou seja 15-30 graus. Mas e se a temperatura local for 35 ou mais? Manter na geladeira também não pode. Como resolver?

  23. sabine, entendo sua intenção sobre o texto, mas acho que você generalizou muito referindo à falta de interesse do brasileiro com as ciências e por isso o fato de não ler uma bula!! Ate porque , isso não se observa somente no Brasil, ou países de “terceiro mundo”, vi muito disso em países europeus também, e olha que eles possuem uma educação que, supostamente, é melhor que a nossa. O fato de não ler a bula ou lê-la mas não poder entender-la , vai muito além do interesse ou saber sobre ciências. Existe, na bula, muita informação de química orgânica, bioquímica, fisiologia , histologia e anatomia, que, desculpe-me, mas nem todas as pessoas entendem, porque não possuem cursos superiores que contenham essas matérias. Uma pessoa pode tranquilamente , gostar de ciências, mas ser formado em ciências politicas e não entender nada do que diz a bula. Obvio, que não é somente um medico que entende de bula, eu sou bióloga e entendo muito bem, mas o ponto em que eu quero chegar é que somente com as ciências que as pessoas têm no ensino médio não basta para entender uma bula, por mais interessadas e com níveis superiores que tenham… É certo que o Brasil é bastante deficiente quando assunto é educação, e que pela falta de interesse pode colocar a saúde de muitos em jogo, mas também , pensar que tendo uma boa educação ( a nível médio) e gostar de ciências levará a uma pessoa a entender uma bula , seria dramatizar demais o assunto.

    1. Gislaine, a informação de que pessoas mais escolarizadas têm mais interesse por ciência e por bulas está na pesquisa mencionada na reportagem. abs, Sabine

  24. Primeiro a bula tem letra pequena demais.
    Segundo a bula tem palavras dificies, termos tecnicos demais.
    Terceiro tem bula que e um livro, gigante.

    Eu leio o principal, efeitos colaterais, quem pode usar o remedio, quem nao pode, mas leio na net pq da para aumentar a letra e pesquisar um termo tecnico que nao entendo, ou seja, 70%.

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