Atropelamento de atleta na USP pode isolar ainda mais a universidade
Costumo dizer que a USP é um oásis no seu sentido religioso: uma terra fértil encravada no meio do que a Bíblia chamaria de deserto (e que eu chamo de São Paulo).
É a USP, com todos os seus problemas, que reúne os principais intelectuais brasileiros, a mais parruda produção científica do país e uma das poucas áreas verdes da cidade.
E, assim como um oásis, a universidade não se conecta com o deserto –apesar de estar encravada no meio dele.
Um dos poucos momentos em que a universidade abre suas portas para a sociedade é aos finais de semana. Aos sábados e domingos, a USP recebe cerca de 10 mil atletas que aproveitam seu espaço –equivalente a três parques Ibirapuera– para corridas e pedaladas.
Quem já passou por lá em um sábado de sol sabe que o campus fica lotado.
Mas, diferentemente do que acontece nos parques, os carros circulam pela universidade no meio dos atletas –o que nem sempre dá certo. No último sábado (16), por exemplo, o corredor veterano Alvaro Teno, 67, morreu atropelado durante um treino no campus da universidade (leia aqui).
Uma tragédia.
E aí ressurge um debate que vira e mexe volta à pauta: o fechamento da USP para quem não é aluno, docente ou funcionário. Isso “evitaria” episódios como o atropelamento do atleta. Oi?
SOFÁ DA SALA
Lembrei-me daquela piada que diz que, para não ser traído no sofá de sua sala, como vinha acontecendo, um fulano resolveu não ter mais sofá. É a mesma lógica. Impedir que a população circule nas áreas verdes da USP porque isso traz risco de acidentes fatais é tirar o sofá da sala.
O que precisa ser feito, ao contrário, é abrir ainda mais a universidade –que, afinal, fica em um espaço público, mantido por toda a sociedade, por mim e por você.
É preciso atrair as pessoas para dentro do campus e é preciso levar a USP para fora do oásis. Ao contrário do que acontece na maioria das cidades universitárias do mundo, a USP participa pouco da rotina artística, cultural e intelectual de São Paulo. A sociedade não frequenta suas bibliotecas. Ninguém –além dos corredores– diz “vamos passear ali na USP?”
Há um abismo entre quem está dentro da universidade (1% do total matriculado no ensino superior do país) e quem está fora (o restante da população).
Hoje (23), no ato que homenageou o corredor morto na Praça do Relógio da universidade, o grupo de atletas vestidos de preto, em luto, dizia que a USP não é responsável pelo acidente. Falta segurança para atletas de rua dentro e fora do campus, diz o grupo.
Que tal, então, reforçar a segurança dentro do campus? Por que não experimentar um modelo funcional na universidade em que pedestres, atletas e motoristas consigam interagir de maneira saudável? Tenho certeza de que há muitas dissertações e teses desenvolvidas na USP sobre isso.
Quanto mais a USP abrir suas portas e fizer parte da vida das pessoas, mais a sociedade vai se envolver com a sua dinâmica, vai valorizar a universidade, vai incentivar o investimento público no ensino superior.
Isolada e afundada em uma crise financeira, a USP vai acabar virando um grande elefante branco para quem está de fora. De solução vira um problema. Não me parece uma boa escolha.