O dia em que fui impedida de entrar na Unicamp

Sabine Righetti

Desde 2011, ministro uma disciplina em uma pós-graduação da Unicamp na área de jornalismo científico. Comecei fazendo um estágio docente durante o doutorado, depois acabei virando colaboradora oficialmente.

Funciona assim: às segundas-feiras eu acordo em torno de 5h30, pego estrada rumo a Campinas, dou cerca de duas horas de aula e volto diretamente para a redação da Folha, onde fico até à noite. Preparo as aulas no final de semana.

É exaustivo, mas muito recompensador.

Nesta primeira segunda-feira de setembro (1º) minha rotina mudou: eu não consegui entrar na Unicamp para dar aula. Fiquei cerca de 1h30 do lado de fora de uma das entradas da universidade –que, teoricamente, era a única que estava aberta,– e acabei voltando para São Paulo.

Protesto fecha acessos à Unicamp

Senti na pele a greve da universidade que já passa de três meses.

Enquanto esperava no lado de fora da Unicamp, na tentativa de entrar no campus, vários alunos me mandaram mensagens dizendo que estavam na mesma situação –eles sabem que sou intolerante com atraso, por isso ficaram preocupados. Tinha gente que veio do Rio de Janeiro, de Belo Horizonte, de Passo Fundo. Todos chegaram na universidade e, assim como eu, não conseguiram chegar à sala de aula.

Pensei muito nesses alunos. Pensei em mim e nas 5 horas perdidas em que passei dentro do carro entre inda e vinda da Unicamp. Pensei nos grevistas.

Pensei também nos alunos mais novos, da graduação. As aulas da pós-graduação já tinham sido retomadas há algumas semanas, mas, nesta segunda-feira, seria o primeiro dia letivo dos alunos da graduação.

Lembrei-me da paralisação que eu enfrentei quando era aluna da graduação da Unesp, em 2000, que durou quase três meses e atrasou todo o calendário. Muitos alunos desistiram do curso naquela época. Será que mais alunos desanimariam também nesta nova greve? Os índices de evasão nas universidades públicas já é altíssimo mesmo sem greve (em torno de 25%).

Pensei na quantidade de dinheiro público perdido nas evasões.

TRÊS MESES

Os piquetes nas entradas da Unicamp foram organizados por funcionários, que pedem reajuste salarial. Parte deles está paralisada desde 27 de maio.

É legítimo fazer greve. Mas é legítimo impedir que um docente seja impedido de dar aula? Ou que um grupo de estudantes seja impedido de ter aula?

Esse tipo de atitude é democrática?

Na USP, que também está paralisada há mais de três meses, e que enfrenta grave crise financeira, vi decisões sobre a continuidade da paralisação sendo tomadas por grupos de cerca de 100 pessoas. A USP tem quase 90 mil alunos e 29 mil funcionários (incluindo os aposentados, que são 23% da folha de pagamento). Decisões tomadas por 100 pessoas –0,08% do universo da universidade– são válidas para toda a maioria?

Os grevistas podem, então, argumentar que quem é contra a greve deveria participar das assembleias. Novamente: obrigar a participação em assembleias é democrático? Ou, ainda, será que vozes contra a greve teriam espaço nas assembleias?

Lembrei-me ainda do relato de uma docente da Unesp, que disse que fora chamada de “vaca” por um grupo de grevistas que invadiu sua aula. Uma secretária da reitoria da USP teria sido submetida a um “corredor polonês” para chegar ao local de trabalho.  Isso tudo é legítimo?

Não, nenhuma forma de violência é legítima.

Mas, sim, é legítimo debater sobre o ensino superior público estadual. O modelo de gestão centralizado em um reitor está ultrapassado, as universidades não conseguem se manter com o dinheiro do governo, os funcionários não se sentem parte da vida universitária, os alunos não lutam por melhorias acadêmicas (como, por exemplo, a expansão do horário de funcionamento das bibliotecas).

Há algo errado nas universidades estaduais paulistas.