Para estudante brasileiro, livro é como Bíblia

Sabine Righetti

Existe um fenômeno na escola brasileira muito relacionado à religião: a maneira como os estudantes se relacionam com os professores e com os livros. É uma ligação hierárquica e pouco questionadora muito parecida com a que encontramos nas igrejas e em outros espaços religiosos.

Funciona mais ou menos assim: as pessoas aprendem que não devem questionar a Bíblia e nem os padres ou pastores, afinal, o que eles trazem é verdade absoluta. Como consequência, acabam levando esse mesmo comportamento para a escola. Tudo o que se aprende é verdade, estático e imutável.

Escolas e universidades desestimulam aluno empreendedor

O problema é que o conhecimento não é estático e imutável. Quem trabalha com ciência sabe que os livros didáticos mudam lentamente conforme os cientistas avançam nos laboratórios de todo o mundo. Um exemplo? Antes, a gente aprendia na escola que a menor parte da matéria eram as partículas atômicas prótons, nêutrons e elétrons. Hoje já se fala em bóson de higgs, uma partícula elementar que forma todas as outras –incluindo os mesmos prótons, nêutrons e elétrons. O que aprendemos muda o tempo todo.

Então por que lidamos com os livros como lidamos com a Bíblia?

Esse fenômeno, vale dizer, não é só brasileiro. Para especialistas em educação com os quais conversei nas últimas semanas, durante uma pesquisa que estou fazendo nos Estados Unidos, o comportamento religioso na escola é observado especialmente na América Latina e no Oriente Médio, onde estão os países mais religiosos do mundo como a Jordânia (de maioria islâmica).

LATINOS E ÁRABES

Muitos professores que trabalham com empreendedorismo em universidades “top” dos EUA–como Harvard, MIT, Universidade de Michigan e Carnegie Mellon– sabem que os estudantes da América Latina e do Oriente Médio tendem a ser menos questionadores que os demais alunos estrangeiros (que são 25% do total matriculado) e não gostam de arriscar em novos negócios. Isso, claro, está ligado a vários fatores sociais e econômicos e, também, à educação desde os primeiros anos da escolas. “Se eu não tomar cuidado para diversificar, acabo trabalhando só com alunos asiáticos e indianos”, diz Paulo Bottino, que coordena um curso de inovação e empreendedorismo de Harvard, a melhor universidade do mundo.

Com esse comportamento religioso em sala de aula, passivo e pouco criativo, o aluno acaba se envolvendo pouco e procura poucas respostas fora da sala de aula porque é treinado para não ter muitas perguntas. O problema é que não dá para ser um país desenvolvido, inovador e competitivo internacionalmente se os estudantes brasileiros –os 50 milhões da educação básica e os sete milhões do ensino superior– continuarem agindo passivamente e de maneira pouco questionadora.

Não se trata, veja bem, de relacionar a religião com piores índices de educação –ainda que muitos especialistas façam isso. O debate não é sobre fé e empreendedorismo, por exemplo. A abordagem aqui diz respeito à influência do comportamento religioso na sala de aula. Alguém aí tem alguma ideia de como ensinar de maneira questionadora desde os primeiros anos da escola?

 

Esse post foi escrito da Filadélfia, EUA, onde estou conduzindo uma pesquisa sobre inovação com apoio da Einsenhower Fellowships.