Caso Unesp: por que bebemos até morrer?
No começo de março, o estudante Humberto Moura Fonseca, 23, do 4º ano de engenharia elétrica da Unesp de Bauru, morreu de tanto beber. Outros três estudantes que estavam com ele na mesma festa, a Inter Reps, foram internados em coma alcoólico –coma causado por ingestão exagerada de álcool. Tudo isso durante a universidade, aquela época que deveria ser a melhor de suas vidas. Uma notícia muito triste.
Resolvi ir atrás de alguns estudos que pudessem jogar uma luz nesse caso, se é que isso seja possível. Encontrei um trabalho interessante da Universidade de Harvard, EUA, publicado há cerca de duas décadas, que virou referência no campo de comportamento estudantil.
De acordo com esse estudo, feito com 17,5 mil estudantes de 140 campi dos EUA, metade dos estudantes universitários bebe exageradamente por farra. Esses jovens são sete vezes mais propensos a fazer sexo sem proteção, dez vezes mais inclinados a dirigir bêbados e têm onze vezes mais chances de abandonar um trabalho ou curso do que os demais. Também têm maior possibilidade de ter problemas com a polícia ou com a segurança do campus da universidade onde estudam, a danificar propriedades, machucar e ser machucado.
Trocando em miúdos, quem bebe demais durante a universidade está mais vulnerável a contrair doenças venéreas, a sofrer acidentes de carro e a ter algum problema físico ou de saúde. Claro, está mais vulnerável também à morte. Tendo a achar que os números seriam semelhantes se o mesmo estudo fosse conduzido aqui no Brasil.
Parece que temos um problema. Por que nossos jovens bebem exageradamente? E por que, no caso triste da Unesp, bebem até morrer?
A pesquisa de Harvard é mencionada em um livro do qual gosto muito, “Bright College Years”, publicado pela jornalista Anne Mathews, especialista em assuntos de ensino superior. Mathews escreve que, no contexto dos EUA, muitos universitários veem na universidade uma espécie de libertação. Estamos falando de um país –os EUA– onde famílias são superprotetoras e jovens só podem beber após os 21 anos. Quando entra no ensino superior, boa parte deles nunca sequer tinha bebido. Eles não aprenderam a beber. É uma receita para a perdição.
Justamente por isso, nos EUA, os maiores problemas com bebidas e com drogas atingem os “bixos”, os primeiro-anistas, que são em geral os mais aventureiros “com a programação da noite geralmente descrita como bebida, dança, gritos, vômitos, desmaio”, escreve Mathews. Mais: cerca de 60% das estudantes que sofrem violência sexual ou estupro são bixos.
ENTRE VETERANOS
No caso da Unesp, o jovem morto não era bixo: ele deveria se formar engenheiro no final do ano que vem. Parece que, no Brasil, o problema de bebida entre os jovens universitários vai muito além de quem está ingressando na escola e atinge também os veteranos, que são aqueles que organizam e que participam de festas para socializar com os novos alunos. Temos uma informação importante aqui. E eu pergunto: nós estamos olhando para ela? Não, não estamos.
Após a notícia do falecimento do seu aluno, a Unesp divulgou uma nota em que lamenta o ocorrido e afirma “que a morte ocorreu fora das dependências da Universidade, onde a bebida alcoólica é proibida.” Ok. Eu estudei na mesma Unesp de Bauru na graduação e me lembro que festa e bebida eram mesmo proibidos dentro do campus. Mas se uma universidade tem jovens que bebem até entrar em coma ou até morrer, mesmo fora de suas dependências, talvez seja hora de levar o assunto para a sala de aula sem tabu. Não?
Sim, precisamos debater os assuntos que envolvem os nossos universitários sem tabu. Em média, um em cada quatro estudantes universitários desiste do curso antes de formar. Alguém sabe o motivo? O índice de suicídio entre jovens universitários é maior do que entre os jovens de mesma idade que estão fora do campus. Há alguém debruçado sobre essa questão? Os nossos jovens estão pressionados, deprimidos, sentindo-se sozinhos durante a universidade? Quem pode apoiá-los? Como apoiá-los?
Quantos jovens morrem no Brasil em trotes violentos, em festas universitárias ou decorrente direta ou indiretamente de bebida? Alguém aí já levantou a quantidade de acidentes de carro com vítima envolvendo jovens universitários alcoolizados?
Mais: há jovens estudantes sendo violentadas em festas universitárias, que também são fora do campus, como no caso das denúncias recentes da medicina da USP (veja aqui). Precisamos levantar esses números, estimular as denúncias, acompanhar os casos, impedir que essas meninas desistam dos seus respectivos cursos por causa da violência. Precisamos, antes de tudo, falar sobre isso.
As nossas universidades não podem mais cruzar os braços para o que acontece com seus alunos fora do campus. Precisamos urgentemente levar o debate para dentro da sala de aula para evitar tragédias como a morte do Humberto.