Em país de escola ruim, só quem tem ‘combustível de Tyson’ estuda

Sabine Righetti

Nesta semana, publiquei uma história na Folha que tomou as redes sociais e chamou atenção até fora do país. É sobre o casal de namorados Daniela Nogueira Mendes, 23, e Fábio Bruno Queiroga, 22, que entrou na FGV (Fundação Getúlio Vargas), a melhor escola privada de administração brasileira, depois de ter estudado em escolas públicas muito ruins durante toda a vida. Uma trajetória parecida com a do Matheus Augusto Silva, 22, que saiu de uma escola pública do interior da Paraíba e conseguiu uma vaga em uma das melhores universidades do mundo nos EUA (leia aqui).

Como eles conseguiram virar a mesa? Pois é. Essa é uma pergunta que muita gente tenta responder. Daniela e Fábio já são exceção por terem resistido na escola até o final em um país em que um em dois estudantes não termina o ensino médio. E ainda decidiram ir além. Ao escrever sobre a história deles, lembrei-me do astrofísico norte-americano Neil DeGrasse Tyson, famoso divulgador de ciência e protagonista do remake da série “Cosmos”.

Em um vídeo que ficou famoso, um homem pergunta a Tyson o motivo pelo qual as meninas não se interessam por ciência. O cientista responde que as meninas, assim como as pessoas negras (ele é negro), passam a vida inteira nadando contra a maré caso queiram ser cientistas. “Eu sempre ouvi que deveria ser jogador de basquete, mas meu combustível para ser cientista era tão grande que cada vez que eu enfrentava um obstáculo, ainda assim tinha combustível pra continuar.”

Muito bem. Dani e Fábio provavelmente têm esse mesmo “combustível de Tyson”, uma espécie de vontade interior inesgotável de ir além. É algo deles. Eles chegaram a ouvir de professores da escola –aquela escola ruim onde estudaram– que não seriam ninguém e, ainda assim, seguiram firmes no seu caminho. De onde vem essa vontade de estudar, Dani? “Não sei, parece que nasceu comigo”, diz.

SEM AULAS

Daniela e Fábio têm uma coleção de experiências negativas nos anos que passaram na escola. No ensino médio, que era estadual, contam que nunca sequer viram um livro. Isso mesmo: os professores nem usavam os livros didáticos que o governo distribui. De acordo com eles, o casal conheceu tais livros por conta própria alguns anos depois de terem se formado, na biblioteca de um CEU (Centro Educacional Unificado). E estudaram com base neles para entrar na FGV.

Quando perguntei a eles como, afinal, eram as aulas na escola, já que os professores não usavam livros, eles me responderam: “Não eram. A gente basicamente não tinha aula.” Em um episódio do qual eles não se esquecem, um professor de química anunciou que daria nota oito para todos os alunos, mas não daria aula, pois tinha “outras coisas pra fazer.” E assim eles receberam oito de média por meses, sem nunca terem sequer visto o conteúdo.

Muito bem. Essa escola pública desanimadora, com professores desmotivados, ausentes, diretores invisíveis, material didático sem uso e infraestrutura péssima, vai matando a vontade de estudar dos alunos. Um por um. Como num tiroteio. No final, a matemática é dura: um em cada dois alunos brasileiros não termina o ensino médio.

Dani e Fábio têm uma história linda de superação, mas são exceção. A grande massa de alunos brasileiros fica pelo caminho. Não podemos ser um país em que só resiste à educação básica quem tem o combustível de Tyson, certo?