Por que a marcha pela ciência foi um fiasco no Brasil?

Sabine Righetti

No último sábado (22), cientistas e simpatizantes de ciência de dezenas de países saíram às ruas para protestar contra uma espécie de descaso generalizado com o conhecimento científico. Isso pode ser observado, dizem, pelo crescimento de crenças no lugar de evidências e pelos cortes de recursos destinados a pesquisas científicas. O problema é que, no Brasil, havia poucos cientistas e, menos ainda, “simpatizantes” marchando pela ciência.

Para se ter uma ideia, a marcha pela ciência na cidade de São Paulo –um dos principais palcos do movimento no país– reuniu, estima-se, cerca de 500 pessoas. É mais ou menos a quantidade de gente que ocupa a reitoria da USP em cada protesto significativo naquela universidade, a maior do país, com cerca de 90 mil alunos.

Protestos políticos recentes em São Paulo concentraram, em média, um milhão de pessoas –geralmente na avenida Paulista. Por que faltou gente na manifestação pela ciência por aqui em um momento em que a ciência brasileira está à beira do colapso?

Vamos lá. Poderíamos dizer que o feriado de Tiradentes (na sexta, 21), o frio e a chuva espantaram os manifestantes. Mas vamos discutir.

Onde estava o movimento estudantil universitário? Ora, uma em cada cinco bolsas de iniciação científica na graduação foi cortada pelo governo no último ano. Os estudantes da graduação não deveriam estar marchando em massa?

Onde estavam os alunos de pós-graduação que, recentemente, foram à Brasília para impedir que fosse aprovado um projeto que permitisse a cobrança de especialização nas universidades públicas brasileiras? A ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos) estava na marcha em São Paulo por meio de representantes. Mas e os alunos de pós-graduação deste país?

A marcha pela ciência também não contou com a presença de outros movimentos importantes –como o de estudantes secundaristas que, em 2015, conseguiram derrubar o então secretário estadual de educação com as ocupações de escolas. Afinal, os futuros cientistas não são justamente os estudantes do ensino médio?

Para se ter uma ideia, a ciência no país perdeu cerca de 40% dos seus recursos nos últimos anos –isso desconsiderando a inflação. Está faltando dinheiro. E, sem dinheiro, a gente não produz conhecimento, depende cada vez mais de tecnologia, de produtos e de remédios importados e fica para trás.

A biomédica Helena Nader, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), tem insistido nisso. Presença constante na mídia, ela publicou um artigo recentemente na Folha sobre os cortes de recursos na área científica. “Fiquei na marcha de São Paulo o tempo todo”, diz.

Cientistas também marcharam em outras 20 cidades do país, de acordo com o movimento organizador, incluindo Rio de Janeiro –onde a quantidade de gente foi ainda menor do que em São Paulo.

SEM SALÁRIOS

O Rio de Janeiro, vale lembrar, é um dos Estados brasileiros que mais tem sofrido com cortes de recursos e com descaso de autoridades.  A universidade estadual daquela Estado (a UERJ) enfrenta atraso de pagamentos de salários de docentes, de funcionários e de bolsistas desde janeiro. Em greve, o calendário acadêmico da universidade está atrasado há um ano.

O fato é que cientistas de países como Estados Unidos, Alemanha e Austrália também saíram em marcha e, ao que parece, tinha muito mais gente –incluindo simpatizantes (ou seja, pessoas que não são cientistas, mas apoiam a ciência).

Para Helena Nader, da SBPC, a chuva, sim, atrapalhou a marcha pela ciência em vários lugares do país. Ela diz também que faltou comunicação para atrair mais gente para o movimento.

Cientistas brasileiros também atribuem a falta de simpatizantes à má qualidade da nossa educação científica.  Somos um dos piores países do mundo no ensino de ciências de acordo com o exame internacional Pisa. Na prática, estamos formando gerações de pessoas distantes do conhecimento científico –e, com os cortes recentes em educação e em ciência, dizem os cientistas, o cenário vai ficar ainda pior.