Um em cada cinco nascidos no país é filho de adolescente (mas não podemos falar sobre sexo!)

Sabine Righetti

Recentemente, visitei algumas escolas públicas da cidade de São Paulo e algo me chamou atenção: havia muitas meninas grávidas. Em uma das escolas, na zona Sul de São Paulo, quatro garotas assistiam aula sustentando um barrigão. Traduzindo em estatística, isso representava, naquela escola, uma em cada dez meninas do, atenção, ensino fundamental. Elas tinham menos de 15 anos.

A gravidez na adolescência é tão comum no país que, hoje, uma em cada cinco crianças que nascem no país é filha de adolescente. É um índice terrivelmente alto. Quem conhece essa realidade, já sabe o caminho: essas meninas começam a ser excluídas na própria escola até abandonarem os estudos –e dificilmente voltam mais tarde.

E o que a gente está fazendo para melhorar esse quadro? Na prática, nada. Ao contrário: estamos querendo impedir que as escolas falem sobre sexo. E estamos proibindo que menores de idade tenham acesso a exposições que abordem o assunto.

Qualquer especialista em educação diria que, gente, não é bem por aí.

Precisamos falar sobre sexo nas escolas –e precisamos falar sobre gênero também. Precisamos falar sobre métodos anticoncepcionais, sobre o que representa ter um filho em idade precoce. Precisamos ler sobre o assunto, debater e pedir que os jovens escrevam e reflitam. Que façam desenhos. Que reflitam de novo. Que esbocem planos e projetos para a própria vida. Que tenham perspectiva.

Acontece que estamos caminhando para o outro lado. Projetos em debate hoje no país, como o Escola sem Partido, querem proibir que assuntos de política, de educação sexual e de temas ligados à gênero sejam fomentados na escola. De acordo com quem defende esse projeto, esses temas devem ser tratados em casa, pela família.

(Aliás, na última visita que fiz a uma escola pública, o assunto “gênero” veio à tona logo nos primeiros minutos. Uma menina questionou um professor que tinha pedido para um aluno mexer na horta e não ela, “que iria se sujar”. A resposta da garota: “Você diz isso só porque sou menina”. Pronto. Está colocado o debate de gênero.)

MASP

A sensibilidade com o debate sobre sexo na adolescência é tão grande que chegou às artes. Recentemente, o MASP tarjou sua exposição sobre histórias da sexualidade para maiores de 18 anos. Os menores não podem ir, atenção, nem acompanhados de seus responsáveis. Não podemos mostrar arte que trate de sexo para adolescentes em um país em que 20% dos nascidos são filhos de adolescentes. 

Isso faz algum sentido?

A arte está aí justamente para isso: para a reflexão, para a abstração, para o debate. A arte desperta –não para o sexo, mas para a reflexão do que o sexo significa. Faz pensar. Quanto menos falarmos disso, maior será o tabu, mais sozinhos estarão os nossos adolescentes e, óbvio, maiores serão os índices de gravidez precoce. 

O próximo passo será tarjar exposições de ciência que abordem reprodução?

Eu me pergunto onde vivem as pessoas que pensam projetos, criam regras e desenham políticas públicas nesse país. Essas pessoas já foram a alguma escola pública? Já entraram, falaram com os alunos e ouviram o que eles têm para dizer? Estudante não é bobo, adolescente menos ainda. Está na hora de pararmos de encarar com hipocrisia esse país.