Professor: não desista de suas alunas

Sabine Righetti
Roda de conversa de alunas de ensino médio da Etec Pirituba, na zona norte de São Paulo – Karime Xavier / Folhapress

Um professor de educação física que comanda um projeto de tênis de mesa no interior de São Paulo me mandou uma mensagem perguntando o que ele poderia fazer para não desistir de suas alunas. De acordo com ele, as meninas vão largando projetos extracurriculares, como os esportivos, conforme crescem. Isso acontece por causa de ciúmes de namorado, por decisão dos pais ou até, diz ele, por causa de cólica menstrual.

“O que fazer para continuar investindo em minhas alunas?”, ele me perguntou.

O questionamento do professor me remeteu à série napolitana de Elena Ferrante, sucesso de vendas no Brasil. Na obra, a autora relata a história de duas meninas muito inteligentes que estavam na escola na década de 1940. As duas foram desestimuladas a estudar pela família, afinal, eram meninas, né? Eis que surge o papel fundamental de uma professora, que resolve insistir para que uma delas siga na educação básica –o que incluiu até empréstimo de livros didáticos e visita à família da garota.

[spoiler alert]

A menina que estudou se torna uma escritora famosa. A outra, que saiu da escola no que seria o nosso ensino fundamental 1, casa-se na adolescência, é abusada pelo marido que a sustentava e foge para trabalhar em um chão de fábrica fazendo embutidos.

[fim do spoiler]

Estou visitando a obra de Elena Ferrante para destacar duas coisas. Em primeiro lugar, garantir a educação básica das meninas –inclusive nas atividades extracurriculares– é uma forma de possibilitar que elas tenham escolhas no futuro. Em segundo lugar, educadores, coordenadores pedagógicos, diretores de escolas e até gestores públicos devem ter um olhar especial para as meninas, assim como teve a professora da obra de Elena Ferrante.

NAMORADO NÃO DEIXA

Agora vamos voltar ao professor do interior de São Paulo. De acordo com ele, muitas meninas deixam de frequentar o projeto de tênis de mesa porque começam a namorar. E o namorado “não deixa” que elas façam os treinos. O contrário (garoto largar o esporte porque a namorada impede), claro, não acontece. O professor de educação física começa a dar cada vez mais atenção aos meninos, assíduos, enquanto as meninas vão sumindo.

Ora,  estamos no Brasil, não na Suécia ou na Dinamarca. Por aqui, alguns homens (ou garotos) ainda acham que devem tomar decisões pelas mulheres (ou garotas). Não seria o caso de conversar com a menina –ou com todas as meninas da escola– sobre o assunto? “Esse também é o papel do educador”, diz Márcia Azevedo, coordenadora pedagógica do Colégio Espírito Santo, pesquisadora da Unicamp e coordenadora do curso de pedagogia da Fappes (Faculdade Paulista de Pesquisa e Ensino Superior).

“Se a menina não tem consciência do lugar que ela está ocupando e da dimensão disso, é função dos educadores, da escola, da família, conscientizá-la”, diz Márcia. “Faz parte da educação ampliar o nível de consciência das decisões.”

Muitas meninas brasileiras também acabam sumindo de projetos extracurriculares por causa de afazeres domésticos. Elas têm de cuidar dos irmãos menores, fazer a comida, lavar a louça da casa. Não podem gastar tempo com tênis de mesa. Nesse caso, também não deveríamos ter uma olhar específico para as meninas que começam a sumir pelo caminho?

Mais: os debates mais recentes de educação falam sobre a escola do futuro de maneira individualizada. Isso significa que a escola e os professores devem ter uma olhar único para cada aluno, que envolva inclusive questões pessoais e familiares. Cada criança e adolescente deve ser trabalhado e estimulado de uma maneira própria. Nesse caso, reforço: é papel do educador, também, avaliar a disponibilidade das meninas para atividades educativas.

(Já em relação à cólica menstrual, bom, ouso dizer que isso pode ser uma espécie de desculpa da aluna para não assumir a proibição do namorado às aulas de tênis de mesa.)

DESEMPENHO ACADÊMICO

Participar de projetos extracurriculares esportivos pode ser determinante na vida acadêmica. Estudos em áreas como a neurociência mostram que a prática de exercícios como o tênis de mesa de maneira regular está associada ao bom desempenho acadêmico. Mais tempo na quadra de esportes pode significar melhores notas na escola. Isso tem a ver com concentração e com desenvolvimento, por exemplo, de capacidade de liderança e de resiliência. Vamos estimular essas capacidades só nos meninos?

Alunos são diferentes e têm necessidades variadas, mas todos podem e devem se desenvolver da mesma maneira. No lugar de desistir das meninas, professor, sugiro que lute por elas.

 

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Você é professor e já passou por uma história parecida? Ou quer compartilhar uma experiência na educação? Mande-me um email! sabine.righetti@grupofolha.com.br