Quando conheci Otavio, ele disse que o jornalismo cresceria com a educação

Conheci Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, morto nesta terça (21), aos 61, quando estudava na Universidade de Michigan (EUA), com uma bolsa mantida pela própria Folha — e eu era a bolsista da vez. Ele fora conhecer, em 2012, a parceria do jornal estabelecida com a universidade alguns anos antes. Eu fiquei responsável por mostrar como funcionava a coisa toda em uma conversa pelo campus.

Nunca me esquecerei daquela conversa.

Otavio falou com otimismo sobre o futuro do jornalismo. Ele disse — e eu concordei — que assim que o país começasse a melhorar o seu sistema educacional, uma massa de leitores em potencial passaria a ter acesso à informação de qualidade. Disse que achava que isso aconteceria logo. E que o jornalismo profissional, então, ganharia ainda mais força.

Tudo o que aprendi sobre jornalismo profissional teve influência do Otavio — a começar pelo Manual de Redação da Folha, que li aos 18 anos. Eu tinha ganhado a publicação de presente de aniversário de meu pai.  Isso foi exatamente dez anos antes de que eu começasse a trabalhar na Folha. Aquilo era e continua sendo a minha referência.

Eu me lembro claramente de me dar conta, naquela conversa com Otavio, no campus da Universidade de Michigan, do tamanho de minha sorte (ou seja lá que nome isso pode ter). Eu estava em uma das melhores universidades do mundo, estudando um tema que havia escolhido, com uma bolsa da empresa para qual eu trabalhava, falando com um gigante do jornalismo profissional no Brasil.

A própria bolsa que eu tinha recebido da Folha mostrava a preocupação da empresa com a profissionalização do jornalismo. “Você está conseguindo ter tempo para pensar?”, ele me perguntou na época. Fiz que sim. “Bons jornalistas precisam de um tempo para pensar”, ele disse.

Em Michigan, eu estudei diferentes metodologias de rankings universitários e seus indicadores. Queria entender como se define mundo afora que uma universidade é melhor do que outra. Isso foi logo depois de termos lançado a primeira edição do RUF – Ranking Universitário Folha — uma ousadia da Folha, elogiada na época pelo Otavio (era a primeira vez que um jornal brasileiro reunia tantos dados sobre educação superior no país em uma só plataforma).

Também falamos, naquela conversa, sobre astronomia. Eu já tinha ouvido falar pelos corredores da redação que Otavio gostava muito de ciência, mas, hoje, vejo que o assunto foi uma tentativa humilde dele se conectar com a interlocura, que, na época, era repórter científica. Falamos sobre exoplanetas — planetas que também orbitam uma estrela como o Sol, mas que estão fora do nosso sistema solar, — e sobre descobertas recentes do jipinho da Nasa que tinha acabado de pousar em Marte.

De volta ao Brasil, migrei para a área de educação no jornal e terminei meu doutorado, na Unicamp, sobre avaliação de ensino superior. Continuei trabalhando no RUF até hoje. Também tenho trabalhado com indicadores de educação básica e sigo achando, como Otavio dizia, que o jornalismo sério e profissional crescerá com a melhora da qualidade de nossa educação — algo tão urgente.

Eu me lembro de ter  me despedido do diretor de Redação da Folha, lá na Universidade de Michigan, agradecendo pela bolsa de estudos nos EUA, pelas oportunidades que eu tive de experimentar na Folha (por exemplo, lançando o RUF) e por tudo o que estava aprendendo em jornalismo sério, comprometido e de qualidade. Acho que ele não respondeu, às vezes ele parecia tímido. Hoje, gostaria de agradecer tudo de novo.

Otavio, muito obrigada.