Perda de acervo raro do Museu Nacional afeta ciência e educação básica do país
Neste domingo (2), o principal e mais antigo museu do país, o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, foi tomado por um incêndio de grandes proporções que pode ter destruído toda a coleção do prédio principal — incluindo fósseis, estudos, o acervo de invertebrados (como borboletas e aranhas) e exemplares de múmias. Estima-se que, ao todo, 20 milhões de peças tenham sido perdidas. O que isso significa?
Isso significa muita coisa. A perda do acervo do Museu Nacional afeta o nosso desenvolvimento científico, ligado às universidades, e também afeta a educação básica do país.
Em relação à ciência, o Museu Nacional reunia 200 anos de trabalhos acadêmicos. O espaço foi criado em 1818 por Dom João 6, como lembra um trabalho publicado na última edição da revista Ciência e Cultura, para “propagar os conhecimentos e estudos das ciências naturais no Reino do Brasil.”
Na prática, o prédio centenário guardava boa parte de espécies descritas por cientistas do país — que era visitada por pesquisadores brasileiros e estrangeiros. “Essa perda é inestimável, é irreparável, a gente nunca mais vai conseguir isso de volta”, diz a bióloga Claudia Russo, da UFRJ, que trabalha com invertebrados no museu. Essas espécies ficam armazenadas em material altamente inflamável, como álcool, em espaços geralmente de madeira — por isso, o fogo se espalha tão rapidamente.
Mais: espaços como o Museu Nacional são importantes para o desenvolvimento da própria educação básica do país. Isso porque é em museus, centros e exposições — a chamada educação não formal — que estudantes têm contato com aquilo que estudam nos livros didáticos. Os alunos experimentam, vivenciam e acabam sendo incentivados a estudar quando voltam para a escola.
O Museu Nacional tinha, por exemplo, uma ampla coleção de fósseis — incluindo dinos brasileiros e o mais antigo fóssil humano brasileiro, de onze mil anos, a Luzia, encontrado na década de 1970 em Minas Gerais. Isso além de múmias egípcias raras no mundo, como destaca Claudia Russo.
Os estudantes que visitavam o espaço podiam ver tudo isso. Aprendiam sobre história, biologia, paleontologia de um jeito que a escola não tem condições de ensinar. “É a maior perda de acervo de toda a história do nosso país”, diz a também bióloga Maria Paula Correia, que trabalha com educação não formal (fora da escola) na consultoria Percebe Educa.
No Brasil, espaços como o Museu Nacional são raríssimos — o que prejudica ainda mais a nossa problemática educação básica. Para se ter uma ideia, um em cada dez brasileiros declara ter visitado um espaço de ciências como o Museu Nacional nos últimos doze meses, de acordo com a última pesquisa nacional de percepção pública da ciência conduzida pelo então Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, em 2015.
“Quando questionados pela baixa visitação a esses espaços, as respostas mais frequentes demostram muito mais falta de acesso ou de conhecimento do que a falta de interesse”, informa a pesquisa. Três em cada dez brasileiros revelaram, na pesquisa, que deixavam de frequentar esses espaços porque eles simplesmente não existiam onde viviam.
O problema é que estamos perdendo nossos raros espaços de ciências no país. Em 2010, um incêndio no Butantan, em São Paulo, queimou parte da coleção — incluindo uma amostra rara de serpentes. Cinco anos depois, o Museu da Língua Portuguesa, também em São Paulo, foi tomado por um incêndio — e deve ser reaberto em 2019 com tecnologia corta-fogo. Já o Museu do Ipiranga, também na capital paulista, ligado à USP, está fechado desde 2013 por risco de desabamento — e não tem previsão de reabertura.
Especificamente na UFRJ, universidade ligada ao Museu Nacional, os incêndios também têm sido comuns. No ano passado, um incêndio destruiu parte do alojamento estudantil da universidade. Como mostrou o RUF – Ranking Universitário Folha em 2017, a UFRJ enfrenta situação financeira frágil, com dificuldade para manutenção das instalações e de investimento em novos prédios.