Polêmica sobre Enem mostra necessidade de debater violência contra mulher

Sabine Righetti

O Enem 2015 acertou ao eleger a persistência da violência contra a mulher no Brasil como tema da redação –e a maior prova disso é o barulho que está causando. O assunto ganhou as redes sociais neste domingo (25) com elogios e críticas acaloradas. Também fez com que políticos (feministas e machistas de plantão) se posicionassem em redes sociais e por meio de notas oficiais.

Na rede social Twitter, meninas comemoram o tema eleito para redação com mensagens do tipo “deixe aqui a sua risada para todos os machistas que precisaram engolir seu próprio veneno ao fazer a redação do enem”.

Outros usuários da rede, no entanto, recomendavam que, no lugar de discutir o assunto, as meninas “fossem lavar a louça”. Algumas dessas críticas foram reunidas no Tumbrl “Machistinhas do Enem“, que descreve que a coletânea de comentários traz “os melhores pensadores da contemporaneidade: ozomi brasileiro.”

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Por que uma prova tão importante só acontece anualmente?

Apesar do furdúncio, o tema sobre a situação da mulher no país já era previsto por educadores e chegou a ser antecipado pela Folha há dez dias. Era uma das apostas para redação, ao lado de assuntos como “limites do humor” e “PEC das domésticas”. No ano passado, a redação tratou de “publicidade infantil”.

A prova do Enem tem dois dias de duração. A espuma sobre o suposto feminismo no exame começou já no sábado (24), com uma questão que trazia um trecho de uma obra da filósofa francesa feminista Simone de Beauvoir: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquido, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino.”

Em nota, o deputado federal pastor Marco Feliciano (PSC-SP) exigiu explicações ao Ministro da Educação, Aloizio Mercadante (PT-SP), “sobre a abordagem do assunto, teoria de gênero, que já deveria estar sepultado e seus assessores teimam em desenterrar esse fétido cadáver.” O ministro, por sua vez, defendeu o tema em balanço realizado após o exame dizendo que é inquestionável que somos uma sociedade que ainda é muito violenta contra a mulher.

Quem também defendeu a prova foi a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS). Em sua página do Facebook, ela qualificou o tema da redação como “excelente” e “pedagogicamente acertado”. “Não venham agora os moralistas de plantão com discursos contra a ‘ideologia de gênero’ ou com a ridícula afirmação de que que tratar de um tema como este significa “politizar” a educação.”

MATEMÁTICA FOI PIOR

Se a proposta declarada do Enem é fazer os alunos refletirem, mais do que medir conhecimento, o tema da redação foi bastante acertado. Nem por isso foi difícil: quem fez a prova reclamou mais de matemática do que da polêmica redação. Os estudantes foram cobrados em lógica, trigonometria e leitura de gráficos (leia mais aqui).

Além de Simone de Beauvoir, a prova também contou com trechos de “Educação como prática da liberdade”, de Paulo Freire, e com um poema do líder angolano Agostinho Neto em uma das duas questões que abordaram história da África –uma das marcas recentes do exame.

O Enem é o maior exame do mundo em número de participantes e, neste ano, teve cerca de oito milhões de inscritos. A nota dos estudantes no exame é usada para ingresso nas universidades federais e também como parte da nota em algumas escolas estaduais e particulares. Um em cada quatro estudantes cadastrados para fazer a prova neste ano não realizaram o exame.